É cada vez mais comum encontrar empresas divulgando versões alternativas de seus resultados financeiros — como se pudessem escolher a narrativa mais conveniente a partir dos mesmos fatos. Expressões como “lucro ajustado”, “EBITDA recorrente” ou “resultado pro forma” tornaram-se corriqueiras nos relatórios corporativos, supostamente para facilitar o entendimento. No entanto, essa prática levanta questionamentos importantes sobre clareza, responsabilidade e a confiança nas informações prestadas ao mercado.
Contabilidade oficial vs. realidade adaptada
Muitas vezes, a justificativa para esses ajustes é mostrar um retrato mais fiel da operação, filtrando efeitos considerados excepcionais ou fora do controle da gestão. Contudo, a linha entre esclarecer e distorcer pode se tornar muito tênue. Em vez de esclarecer, essas versões “criativas” acabam gerando múltiplas interpretações — às vezes contraditórias — sobre a saúde da empresa.
É possível ver uma mesma companhia apresentar quatro tipos distintos de desempenho para um mesmo período: o resultado contabilizado conforme as normas, o gerencial, o recorrente e o baseado em caixa. Em casos extremos, uma versão aponta lucro, enquanto outra sugere prejuízo. Isso desorienta até mesmo investidores experientes e analistas.
O passado também muda?
Outro ponto crítico é a reinterpretação do passado. Empresas, por vezes, alteram números de trimestres anteriores para refletir uma nova metodologia de cálculo. Embora isso possa ser tecnicamente justificável, o efeito prático é tornar instável a própria base de comparação — dificultando análises históricas e projeções futuras.
Responsabilidade na comunicação com o mercado
A pluralidade de números não é, por si só, um problema. O desafio está na forma como são apresentados. Quando os ajustes não são bem explicados, ou se acumulam em demasia, geram desconfiança. Para manter a credibilidade, é fundamental que as companhias priorizem objetividade, coerência e contextualização.
Mais do que mostrar “o que seria se não fosse”, o compromisso deve estar com a transparência. Afinal, o papel dos relatórios financeiros não é defender uma tese, mas fornecer uma base clara e confiável para decisões de investimento.